Da Periferia aos Desafios do Ensino Superior

terça-feira, 26 de março de 2013

Pichações preconceituosas: uma reflexão sobre a onda reversa ao movimento de inclusão e formas de combate à discriminação nas IES



Estamos muito orgulhosos com a repercussão do ProUni-SE!(Projeto Universitário de Suporte ao Estudante) em nossa universidade, que surgiu com a expectativa de assegurar a igualdade de direitos e a comunhão entre os bolsistas do ProUni, sobretudo os que estão chegando agora, que são, entre todos, os que mais estão vulneráveis à grandes dificuldades que o ingresso no ensino superior pode trazer. 

Contudo, chegou-nos recentemente a mensagem de que encontraram uma pichação no banheiro dizendo que o "ProUni é uma bosta mesmo", isso bem quando estávamos no contexto da discussão sobre acesso e permanência no ensino superior com pesquisadores consagrados no estudo do Programa Universidade Para Todos.


"ProUni é uma bosta mesmo"


A pessoa que viu a pichação era um bolsista do ProUni e disse que isso o revoltou. Segue uma resposta dele: 


"Me sinto descontente, aborrecido, e cada vez mais decepcionado".
Na mesma parede havia outra pichação: 

"O lucro das empresas é a fome do povo!!! → Foda-se sou Rico". 

Diante dessa constatação nos perguntamos o que deveríamos fazer se outras manifestações, até piores que estas, viessem a recorrer em nosso campus? Como lidar com possíveis situações de intolerância e preconceito no futuro?


Sabemos que a pergunta é difícil, e corresponde a um dos maiores dilemas da humanidade, até por que, infelizmente, o preconceito sempre existiu e sempre existirá. Muitas serão as pedras que virão, dentro e fora da universidade, mas é sempre bom lembrar que "não se mede o valor de um homem pelas suas roupas ou pelos bens que possui, o verdadeiro valor do homem é seu caráter,  suas idéias e a nobreza dos seus ideais" (Charles Chaplin). 

Nesse caso, quanto as pichações feitas no banheiro, só podemos dizer que ainda são muito comuns nos mais variados espaços - algo como uma "onda reversa" ao movimento de inclusão. Ainda que parte do projeto das políticas de inclusão social em diversos âmbitos (educação, mercado de trabalho, etc.) estejam surgindo justamente para combater estas formas de discriminações e construir uma mentalidade de que todos somos cidadãos de direitos - e, não intrusos, mas merecedores de oportunidades que o Estado tem a obrigação de oferecer - acreditamos que estas falas, nos dias de hoje, sejam um indicativo de que as coisas parecem estar mudando ou, ao menos, se reacomodando e incomodando a quem entende que determinados bens deveriam ser de acesso exclusivo de alguns. Estas reações hostis seriam então uma consequência disso. Isto, obviamente, não significa que tenhamos que aceitar estas falas, mas apenas entendê-las neste contexto. 

É aí que novamente se evidencia a importância de um grupo de bolsistas se organizando em torno de suas próprias demandas. Com certeza, muitos alunos bolsistas se sentirão muito mais amparados no caso de repetirem-se tais situações e, muito mais fortalecidos no que diz respeito à luta por muitos de seus direitos que não forem cumpridos. 

Como agir nessas situações é algo que até hoje não sabemos dizer, sequer podemos afirmar que teremos no futuro uma fórmula eficaz contra os discursos preconceituosos, não só em relação ao estudante de baixa renda, mas também contra o negro na universidade, com os homossexuais, transexuais, indígenas, enfim....


Pichação Anti-Cotas “Voltem para Senzala” (2007)



Uma situação como essa é justamente o que pode servir para que problemas assim venham a ser discutido na universidade. Não acreditamos em "lição" individual, ainda mais quando o preconceito, infelizmente, seja um problema coletivo. No Rio Grande do Sul, por exemplo, houve, em 2007, algumas pichações nas paredes que continham acusações racistas. Nessa época ainda não havia um grupo consolidado que discutia a questão do negro na universidade, mas esse evento foi um ponto importante para que se formassem coletivos a fim de discutir essas questões. Hoje, vários grupos se constituíram para fins de informação dos novos cotistas e de promoção de atividades: um Fórum de Ações Afirmativas (composto por estudantes, professores, representantes de movimentos sociais, etc.), um coletivo de cotistas negros,... inclusive o próprio departamento de difusão cultural da universidade promove, eventualmente, atividades de formação sobre as ações afirmativas. Apesar de todos os esforços, é claro, ainda há muito a ser feito. 


Pichação Anti-cotas
“Negro só se for na cozinha do RU.
Cotas não!” (2007)

Por isso, a vantagem de já termos um grupo formado e forte, talvez, seja a de justamente tentar realizar mesas de discussões sobre o preconceito. Talvez as pessoas que façam as pichações não irão assistir (alias, acreditamos que seja mais provável que elas não vão mesmo), mas já estaríamos mostrando por aí um sinal de que estamos ligados nas coisas que acontecem e seremos fortes pra combatê-los sempre que isso ocorrer.


Ato pró-cotas (2007)

Atitudes preconceituosas, reiteramos, infelizmente são comuns e pode-se entendê-las como parte de um contexto - uma tentativa de demonstrar, por parte de alguns, o descontentamento com a criação de políticas inclusivas no ensino superior, por exemplo. Porém, isso não significa aceitá-las! Logo, pode-se e deve-se enfrentá-las. A questão é pensar na melhor maneira de fazê-lo. 
Com base no que observamos, acreditamos que estes enfrentamentos possam se dar em dois âmbitos: individual e do grupo. 

Quanto ao âmbito individual: quando afirmamos que o empenho dos bolsistas (o mesmo vale para os cotistas) é fator muito importante que atua na aceitação das políticas e estudantes nas instituições é porque muito disso foi relatado. Há pessoas (colegas, professores, funcionários) que não têm a opinião formada ou tenderiam a ser contra ao ProUni ou cotas por diversas razões, entre elas, (e não quer dizer que estejamos de acordo, apenas reproduzimos aqui) a queda de qualidade da instituição ou receio de bolsistas ou cotistas não conseguirem acompanhar os demais colegas. Quando estas pessoas indecisas ou contrárias se deparam com uma realidade que não corresponde ao seu pré-conceito sobre os estudantes (bolsistas e cotistas), que demonstram empenho e bons resultados, muitas delas mudam de opinião e - se não passam a ser favoráveis à política - ao menos abrem-se à possibilidade de rever seu posicionamento. Esse "fator rendimento", do mesmo modo, não é algo que destacamos como legitimação da meritocracia - pois, em verdade, faz parte das condicionalidades de manutenção das bolsas: aprovação mínima de 75% das disciplinas que o estudante cursou no semestre anterior. É algo que já se dá no funcionamento da política e que os estudantes já atuam no sentido de cumpri-la, mas talvez a maneira com que ele repercute no dia a dia nas IES é que não seja tão evidente.  Seja como for, o desempenho traz repercussões e elas podem ser positivas . Ela é uma forma que auxilia na desconstrução de preconceitos e que, antes de mais nada, beneficia o próprio estudante - responsável direto e que se beneficia pelo rendimento acadêmico. 


No âmbito do grupo: acreditamos também na importância do ProUni-se, pela articulação de demandas, pela luta pelos direitos, pela informação que o grupo troca, elabora e transmite.  Isto é, o grupo possibilita que vários eventos possam ser discutidos na universidade, promovendo rodas de conversa, palestras, etc. Nesse sentido, retomar o debate recente no STF sobre cotas e ProUni, pode ser muito importante também. 


Há algum tempo vem ocorrendo casos de discriminação com alunos cotistas indígenas no curso de Medicina na UFRGS, o que levou um dos professores orientadores destes alunos a denunciá-las. Ele procurou várias instâncias da universidade e, em alguns espaços, deparou-se com o descaso e a inação de funcionários. Num evento que contou com a participação do reitor, ele repetiu a denúncia que - aquela altura já havia sido registrada no MP - um dos primeiros questionamentos do reitor ao professor foi se ele havia procurado a universidade para fazer a denúncia e se haviam tentado recorrer à ouvidoria. Ele assim tinha feito, e prosseguiu com a denúncia e a legítima cobrança por medidas devidas. Acreditamos, assim, que precisamos se utilizar dos espaços previstos na instituição para registrarem as denúncias pois além de ser um direito, no caso de inação da PUC, servirá como um demonstrativo que agiram nas vias normais, também poderemos cobrar de forma mais forte por soluções. Se a realidade do funcionamento da Ouvidoria, infelizmente, ainda não é o melhor caminho, que este seja, pelo menos, um dos primeiros passos para uma mudança entre tantas que o grupo está promovendo. 


Em suma, situações de preconceitos são mais comuns do que imaginamos nas universidades privadas e públicas. Reforçamos ainda que a função de um coletivo organizado como o ProUni-se é fundamental no sentido de que todo pró-unista possa ter a quem recorrer quando perceberem algum caso de discriminação. Infelizmente é uma luta ideológica desigual não somente na universidade mas em toda a sociedade: é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.





Créditos das fotos: http://juntos.org.br/2012/07/5-anos-de-cotas-na-ufrgs-e-preciso-manter-e-ampliar/

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